sexta-feira, 29 de março de 2013

A língua madrasta



Para nós portugueses o português é a nossa língua mãe. Embala-nos desde a nascença, conforta-nos na infância, acompanha e suporta os nossos pensamentos, a nossa lógica e a racionalização dos nossos sentimentos. Mesmo quando vivemos refugiados e fugidos do nosso país, o idioma lusitano nunca nos abandona. Muitas vezes a nossa relação com as outras línguas passa pela forma como entendemos a nossa própria língua, coando e filtrando os signos estrangeiros através dos que aprendemos como nossos.


Mas, para muitos neste mundo, o português é a língua madrasta. Nem sempre os trata como filhos, nem sempre os ajuda a ultrapassar as dificuldades do mundo social.

Em Moçambique vejo-me como uma das poucas filhas legítimas no meio de tantos filhos adoptivos. Moçambicanos de gema e italianos, espanhóis e outros latinos, e até asiáticos e outros povos deste mundo vasto em que vivemos aprendem a comunicar nesta língua estranha que é o português. Língua mãe há só uma, e cada um tem a sua. Por muito que as convenções da língua de estado os chame, a mãe falará sempre mais alto.


A forma como formulamos as frases, as expressões usadas, a sequência lógica da poesia da razão linguística, os sons e as pronúncias: cada idioma tem uma cultura própria.
E a(s) cultura(s) moçambicana(s) não podia(m) ser mais diferente(s) da nossa. Com certeza podemos encontrar alguns pontos de coincidência (tendo em conta até que nós não somos tão europeus quanto o europeu modelo). Mas as diferenças estão a alguns centímetros dessa superfície de ocidentalização de África.

A língua é a primeira prova. Se sentimos que a comunicação é facilitada pelo facto de (quase) todos falarem a nossa língua, depressa percebemos que não é realmente assim. Podemos dizer que esta sensação é fortalecida pela distância cultural de cada povo. Talvez não seja tão forte em relação a europeus e outros ocidentais que encontramos nestas paragens, mas é evidente quanto aos africanos.
Para quem não sabe, em Moçambique há muitos mais dialectos que filhos por casal, e acreditem que as famílias por aqui são bem numerosas. Em Nampula fala-se o macua, em Alto-Molocué e Gurué o lomwe e em Quelimane o chuabo. Falamos de apenas duas províncias (Moçambique tem onze), e estas não têm apenas estes dialectos. Ainda assim, basta pensar que a base linguística é a mesma (banto), e que é bem distinta da do português. Imaginem a dificuldade em aprender duas línguas tão distintas (para quem aprende português, porque há quem não chegue a aprender, ainda que seja a língua oficial do país).

Mas a língua mãe não é nem nunca será o português. Tal como nós quando comunicamos numa língua estrangeira, quando ouvimos as palavras temos de as peneirar através do nosso idioma e coar o nosso pensamento no filtro do nosso muitas vezes parco conhecimento da língua estrangeira. A comunicação fluída entre um português e um moçambicano pode ser muitas vezes uma farsa.
Cai-se também no erro de sermos considerados o bastião da língua portuguesa, os representantes da forma perfeita do idioma que nasceu no nosso território e no seio da nossa cultura. A língua não é uma ciência de academia, e nós não somos os seus eruditos guardiões duradouros. Esquecem-se que a língua é de quem a fala, é de quem a alimenta, um animal que às vezes morde, mas ladra alegremente se o mantêm vivo. O português tem tantas formas e feitios, sotaques e entendimentos, expressões e significados quanto falantes. Enquanto não percebermos isso, não acolheremos a lusofonia no seu pleno. Mesmo que ela seja a nossa língua mãe, ou a nossa língua madrasta, sabemos que ela nos pode tratar bem se nós fizermos o mesmo com ela. Ainda que essa relação dependa tanto das nossas outras mães, adoptivas ou não.

(sobre a cultura, ou pelo menos a comparação possível entre culturas, falarei noutra altura)

Catarina Pereira

quinta-feira, 28 de março de 2013

ENTREVISTA DE D. ELIO, BISPO DE LICHINGA À RÁDIO ECCLÉSIA



D. Elio Greselin, desde Março de 2009, bispo da Diocese de Linchinga, província do Niassa, norte de Moçambique, passou recentemente pelo nosso país, conforme noticiámos na altura. Regressava de Roma, onde se deslocou para a reunião dos Bispos da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, e deu uma entrevista para o programa “temas da actualidade” da rádio Ecclesia, que aqui partilhamos.

Uma visão muito lúcida do papel da Igreja em Africa, da evolução da situação religiosa e social destas comunidades que este Dehoniano tão bem conhece pois é pastor neste país desde 1966. Dá-nos, ainda, uma visão mais particular mas crítica da sua própria diocese.

link:  https://soundcloud.com/tito-miguel-costa/d-elio


quarta-feira, 20 de março de 2013

O PRIMEIRO CONTENTOR ALVD CHEGOU A NACALA.


Carregado a 15 de Janeiro no Seminário de Allfragide por 40 voluntários, abençoado pelo Superior da casa, P. Manuel Barbosa, saído de Sines a 25 de Janeiro, chegou a Nacala (Moçambique) a 18 de Março de 2013. A ser descarregado dia 19 e 20 de Março, o camião partirá para Lichinga com as 1274 caixas enviadas de Portugal. Prevê-se a chegada do camião a Lichinga no dia 23 ou 24 de Março de 2013. Para já, vamos acompanhando o último troço da viagem ao longe.

terça-feira, 19 de março de 2013

VOLUNTÁRIA DEHONIANA PARTE PARA ALTO MOLÓCUÈ

Acaba de partir às 12h do dia 19 de Março de 2013 para Moçambique a Elsa Henriques Dias, do núcleo da Madeira, para fazer voluntariado dehoniano no Alto Molocuè, primeira missão dehoniana em Moçambique.

Esta técnica de construção civil estará em Moçambique até Dezembro de 2013.


Boa experiência dehoniana como voluntária em Moçambique!

segunda-feira, 18 de março de 2013

VOLUNTÁRIA DEHONIANA EM INVESTIGAÇÕES POR MOÇAMBIQUE

Estamos juntos

É o que sempre me dizem por aqui. “Estamos juntos”. Pela forma como me acolhem por aqui acredito que sim. Há quase um mês cheguei a Moçambique com uma resma de papéis com questões por responder. Depressa percebi que o que imaginava que precisava de perguntar ficava aquém do que me esperava. Tudo é diferente, e tudo é digno de ser registado. Eu pergunto frequentemente: “E então, o que pode ser visitado por aqui?” Pessoas hospitaleiras e rodeadas de ricas paisagens verdejantes respondem-me: “Nada, aqui não há nada. Os turistas estão todos na costa. Já foi à ilha de Moçambique? Isso é que chama os turistas.” Não ter a noção da riqueza que temos é algo que os portugueses partilham com os moçambicanos…


Nampula, a cidade em explosão económica

Em Nampula, a cidade em expansão impõe respeito. A diversidade cultural é uma realidade em fusão, misturando cristãos e muçulmanos, africanos e asiáticos. A sua população local é talvez mais tradicional do que seria de supor numa cidade, facto mais visível na predominância de um vestuário mais tradicional, principalmente no uso de capulanas pelas mulheres. O caminho-de-ferro está no centro da vivência da cidade, concentrando comerciantes à sua volta.

Napipine é um bairro jovem, repleto de escolas, primárias, secundárias, superiores. A biblioteca da companhia missionária é uma minha velha conhecida, e só tenho pena de ainda não a ter visto em funcionamento, já que estive de visita em tempo de férias lectivas. Martina e as meninas acolheram-me bem, tal como o padre Ricardo e o padre Ciscato. As duas semanas passaram num instante….

Alto-Molocué, a primeira missão dos dehonianos em Moçambique

Quem visita este distrito que acolhe o rio Molocué no seu regaço percebe porque os dehonianos começaram aqui a sua missão em Moçambique. Quem caminha pelo mato a caminho de Malua imagina que este foi um bom ponto de partida. Um ocidental consegue sempre encontrar a magia daquele lugar ainda muito natural. Apesar de parecer abandonado, o projecto millenium e os planos da diocese parecem assegurar que Malua não vai ficar parada no tempo.

Já o bairro de Pista Velha é um óptimo ponto de chegada. É um bairro sem nada de muito característico quanto ao tecido urbano de padrão europeu, mas tipicamente moçambicano. O complexo dehoniano destaca-se na paisagem da antiga pista de avionetas, reunindo os jovens em actividades bem diversas do centro juvenil, e acolhendo os viajantes na hospitalidade da casa da comunidade. A simpatia dos três padres e a mão nos preparativos culinários do padre Onorio conquistam qualquer um.

Quelimane, a cidade no pântano

Para quem como eu não aprecia particularmente o ambiente de praia e de litoral, Quelimane é uma boa surpresa. Fora da cidade os arrozais e os coqueiros dominam a paisagem. Dentro dela encontra-se o ambiente mais urbano que eu vi em Moçambique, só ficando atrás de Maputo. Mas eu não conheço a maior parte das capitais de província…

Catarina Pereira

sexta-feira, 8 de março de 2013

TESTEMUNHO PESSOAL

Conheço a realidade Moçambicana pelas vezes que visitei o país, pelo que não estranhei. Embora não conhecesse a província do Niassa, em nada é diferente das outras províncias de Moçambique.

É uma terra onde falta sobretudo conhecimento e a população está bem consciente desse problema e deseja-o. Percebi através do contacto que estabeleci com as pessoas que embora sendo um povo simples sabem o que é essencial para o desenvolvimento do país: mais conhecimento, e melhor informação.

Nesse sentido, o projecto no qual fui inserida foi bastante útil, pois actuou na base da educação, com os mais pequenos. É através do estímulo e desenvolvimento das crianças que se consegue prepará-las para as aprendizagens futuras.

Nas escolinhas um dos grandes problemas dos educadores é não terem materiais adequados para poderem desenvolver as actividades próprias e inerentes ao desenvolvimento da criança.

Outro grande problema é a informação/formação que necessitam para melhorarem o seu trabalho enquanto educadores. A Internet existe e está disponível, no entanto, não há recursos financeiros que permitam o acesso à mesma.

Gostava de ter ficado mais tempo, pois na formação em que participei faltou tempo para a consolidação de conhecimentos. Ou então o projecto deveria ter outro formato, de forma a permitir esta consolidação de conhecimentos.

Apesar de nunca ter trabalhado com crianças não senti dificuldades em interagir com elas e desempenhei com muito entusiasmo todas as actividades. O ritmo de trabalho foi muito intenso, pois rapidamente percebi que era importante passar o maior número de informação possível.

Nos momentos de exaustão física, que houve, valeu-me as palavras do Pe. Nuno que no último domingo antes da partida para Moçambique que me disse: “quando estiverem cansados pensem em todos os que cá ficaram e vos ajudaram nesta vossa missão”.

Estas palavras ajudaram-me a esquecer o cansaço e aumentaram a minha capacidade de entrega e de sacrifício mesmo nos dias em que estive doente, pois embora o corpo pedisse algum descanso e as dores incomodassem, a disponibilidade para o outro pesou mais forte.

Foi muito importante a preparação feita em Portugal, pois apesar te ter mais de 20 anos de experiência como formadora, nunca tinha trabalhado na área da Educação Infantil tendo sido de maior relevância as pesquisas que fiz na área e as orientações que me foram dadas por algumas amigas Educadoras de Infância.

Constatar a capacidade de entrega e de serviço por parte de algumas pessoas com quem contactei no Niassa, reduzem a minha participação como voluntária neste projecto a uma gota de água no oceano. Sei que todas as gotas de água são importantes e por isso estou disposta a ir muitas mais vezes.

Sentir o agradecimento de um povo só pela simples razão de eu estar lá e poderem partilhar comigo alguma da sua cultura foi também muito gratificante, fez-me sentir bem e integrada na comunidade.

Perante os novos desafios do projecto não tive qualquer dificuldade em prepará-los e em executá-los, pois a minha experiência profissional e as minhas características pessoais permitem-me ter esta capacidade de adaptação e concretização.

Do meu contacto com as crianças e os jovens constatei que os livros de leitura e os filmes em português são muito desejados. Na aprendizagem dos jovens faz falta quem lhes dê explicações em áreas mais específicas como por exemplo a matemática.

Senti que apesar de termos o projecto bem preparado, podíamos ter rentabilizado melhor a participação de cada um. A necessidade que alguns voluntários tiveram de não estarem sozinhos a desempenhar algumas tarefas, deixou-me o sentimento de desperdício de tempo. Já que o nosso tempo era curto deveria ter sido rentabilizado ao máximo.

Ao nível das relações humanas tive de lidar com pessoas diferentes o que é normal quando se trabalha em equipa. Os problemas foram sempre resolvidos, com mais ou menos discussão, é certo, mas sempre nos momentos próprios, isto é, durante as reuniões de avaliação diárias e nunca à frente de terceiros.

Não saí zangada de Lichinga com ninguém. Tive algumas reacções de quem já finalizou o projecto e já só quer descomprimir e reage “em família”. Na minha família, às vezes, discutimos e temos reacções mais emotivas, mas ninguém fica zangado com ninguém. Durante um mês fizeram parte da minha família as 3 voluntárias que estiveram comigo no projecto das escolinhas. É assim que as sinto.

O que mais recordo neste grupo das 4, é a camaradagem, o espírito de inter-ajuda, as boas gargalhadas que fomos dando ao longo do mês e o êxito do nosso projecto.

Linda Furtado