Falar sobre a presença dehoniana em Moçambique é recuar no tempo e ir aos meus tempos de menino e moço quando no seminário Pe. Dehon ouvia deliciado as histórias que os nossos missionários que estavam naquele país contavam na sua passagem a caminho de umas merecidas férias. Nessa altura, pensava como devia ser bela essa vida cheia de aventuras, imprevistos e muita coragem e confiança em Deus à mistura. Os anos foram passando e fui acompanhando, por vezes preocupado, mas talvez sem o entusiasmo juvenil dos primeiros tempos, a actividade dos nossos missionários que passaram por momentos difíceis nos tempos da independência de vários países africanos, mas permaneceram corajosamente firmes junto das suas comunidades cristãs.
Os anos foram passando e quando nada o fazia prever, nem estava nos meus planos mais imediatos, eis que me surgiu a oportunidade de acompanhar um grupo de jovens voluntários até à Diocese de Lichinga, situada na Província do Niassa, no Norte de Moçambique. Era a oportunidade de recordar vendo “ao vivo e a cores…” todas aquelas histórias contadas com tanto carinho nos primeiros tempos de seminário.
Foi assim que partimos para uma experiência missionária de um mês (Agosto) 11 voluntários cheios de entusiasmo e vontade de oferecer um pouco das suas vidas àquele povo simples e humilde, acolhedor e feliz, alegre e sonhador. Na nossa bagagem levámos a vontade de ser próximos e amigos, úteis e solidários vivendo com entusiasmo o seu dia-a-dia. Tínhamos consciência que no dar e receber nós íamos sair beneficiados, mas isso faz parte da recompensa que é dada a todos aqueles que amam e se entregam sem reservas aos outros…
Agora já em Portugal recordo o carinho, alegria e amizade que nos foram dispensados por todos os locais de missão por onde passámos. Isto sucedeu em todas as comunidades dehonianas que nos acolheram e em outras comunidades onde o sorriso acompanhado de um cafezinho ou chá nos davam as boas vindas… A comunidade dehoniana na Casa Pe. Dehon em Maputo faz autênticos milagres para acolher os tantos voluntários e não só que lá pedem abrigo nem que seja por uma noite. Obrigado Padres Mario, Ruffini e Abel!
Apesar do cansaço já se notar em muita gente ninguém se esquivou (sempre era o nosso primeiro dia em Maputo, capital de Moçambique…) à oferta de visitar o Escolasticado Filosófico Dehoniano em Matola. Aqui ouvimos a já conhecida odisseia do Pe. Toller no tempo da guerrilha quando foi raptado e libertado pela RENAMO. Nesta altura o sono já ia fazendo estragos no grupo, mas indo buscar forças não sei onde houve ainda coragem para desafiar o Pe. Lázaro a mostrar-nos um pouco de Maputo “by night”. Houve quem só viu com um olho, mas deu para ficar com uma ideia meio tremida e aos flashes…
À chegada a Lichinga tínhamos à nossa espera D. Elio Greselin que com a sua espontaneidade e alegria contagiante cativou logo toda a gente chamando-nos “vadios” bem-vindos… Não posso esquecer a presença discreta, serena, amiga e cordial do Irmão Giuseppe Meoni que chegando das suas férias em família, na Itália, quando já nos encontrávamos em Lichinga nunca mais nos largou interessando-se por tudo e zelando para que nada faltasse para o êxito da nossa missão.
A diocese de Lichinga para além de ser muito grande não é nada fácil de gerir e precisa de muito apoio a todos os níveis. É uma Diocese ainda muito desorganizada e que possui um clero que ainda não compreendeu ou não quer compreender o seu bispo que quer renovar mentalidades e dotar a diocese de estruturas que garantam a sua sustentação e autonomia económica sem recorrer às sempre imprevisíveis ofertas que chegam do exterior. Outro sonho é o de atrair jovens estudantes com a construção de um polo universitário na cidade. Devido à extensão territorial da diocese, D. Elio procura e convida congregações de Irmãs que queiram constituir comunidades religiosas em algumas missões que estão abandonadas há muito tempo. Para além da presença espiritual tão necessária seriam também uma garantia de sucesso para as escolinhas que acolhem crianças e lhes dão formação humana e intelectual. Já lá estão várias congregações que fazem tanto e com muita dedicação (Teresianas, Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima, Religiosas do Amor de Deus; Irmãs S. José de Cluny, Irmãs Missionárias da Consolata…) mas são poucas para tantas necessidades. Permito-me destacar o trabalho de duas Irmãs não por que façam mais do que as outras, mas porque colaborei mais com elas: a Irmã Olívia que é a “ponte de ligação” dos voluntários que partem de Portugal para Lichinga. Alguém lhe chamou a “Irmã todo o terreno” e a “Super-Irmã” pela capacidade que tem de chegar a todo o lugar sempre bem-disposta e com a solução adequada para qualquer problema e a Irmã Maria José que com a sua irreverência e alegria contagiante consegue motivar todos os que estão a sua volta. Um obrigado muito grande para todas vós pelo vosso testemunho e amizade.
Já o sabíamos à partida e, por isso, foi com a maior das naturalidades e com votos de bom trabalho que nos íamos despedindo dos subgrupos que iam sendo espalhados por várias missões da diocese: a Telma e a Isabel foram para Marrupa; a Joana, Milu e Gabriela para Mitande; a Patrícia e a Paula na primeira semana ficaram na cidade de Lichinga e depois rumaram até Massangulo; finalmente o Vítor e o Ricardo trabalharam na biblioteca do ESAM na catalogação e distribuição por várias bibliotecas das toneladas de livros que são recolhidos aqui em Portugal e enviados para lá e, na última semana, foram até Metangula dar um curso de informática. O trabalho das nossas meninas consistia em encontros de formação e partilha com as educadoras e auxiliares de educação das escolinhas confiadas à Igreja. Claro que o momento mais desejado e apetecido do dia era o contacto com aquelas crianças com uns olhos muito bonitos e um sorriso de orelha a orelha a pedirem uma foto… Houve quem tirasse 500 fotos só num dia… É obra!...
Diz-se que “cada um tem aquilo que merece…” e, por isso, tive o privilégio de visitar algumas das primeiras missões dehonianas que ficam nas Províncias de Nampula e da Zambézia. Na cidade de Nampula encontrei o Arcebispo D. Tomé (dehoniano) confiante e empreendedor com uma grande vontade de formar bem o clero da sua diocese, nem que para isso tenha de o enviar até à Europa por alguns anos. Está empenhadíssimo na criação de algumas infra estruturas que sejam respostas concretas para várias necessidades da Diocese de Nampula. Projectos e sonhos há muitos, mas será precisa a boa vontade de muitas pessoas para que eles se concretizem. Na Paróquia de S. Pedro, confiada aos dehonianos, os Padres Ciscato, Augusto e Riccardo não tem mãos a medir para acompanhar os vários centros de culto espalhados à volta da paróquia (alguns a muitos quilómetros do centro) e tantos movimentos que fervilham na sede da paróquia como a catequese (infantil, jovens e adultos), acólitos e outros movimentos que necessitam da sua assistência contínua.
A presença em Nampula da Companhia Missionária, mais conhecidas por “Mariolinas…”, devido à actividade e à genica da Mariolina, uma das consagradas, é muito importante no campo do ensino e no acompanhamento de várias jovens vocacionadas. Com a ajuda da ALVD e do Pe. Adérito foi criada e montada uma biblioteca que é já um ponto de referência para os estudantes da cidade que encontram nela o que as bibliotecas do estado não conseguem dar.
Uma das minhas curiosidades era o Alto de Molócué porque lá tinha estado durante um ano de voluntariado a minha paroquiana Vera. Testemunhei o belo trabalho que os elementos da ALVD lá foram fazendo ao longo dos últimos anos e continuam a fazer. Parabéns a todos os que contribuíram e continuam a contribuir para que esta missão possua as condições necessárias para o trabalho que lhe é pedido. Encontra-se lá neste momento o António que vai dando explicações sobre todas as matérias escolares e introduzindo os interessados no mundo da informática. Esta missão passou ainda há pouco tempo por um momento muito doloroso com o acidente que vitimou a Maria Arbona. Sabemos que a vida continua e senti que ela é recordada com muito carinho: rezam por ela pedindo que ela reze por eles junto do Pai da Vida.
Seguindo viagem chegámos à grande missão de Milevane que ao longo dos anos já foi palco de muitas cenas… Imagine-se que a casa enorme que já foi um seminário, também já foi um quartel durante a guerra civil. Actualmente prepara-se para receber os noviços da Província SCJ de Moçambique. É uma casa linda com belos jardins mas que obriga a uma manutenção constante e dispendiosa já que os tempos de guerra deixaram feridas muito grandes no edifício.
A última paragem desta visita relâmpago foi o Gurúè, terra do famoso chá e do Centro Polivalente Leão Dehon. É espantoso o belo trabalho que é desenvolvido por esta escola que para além da formação de novos profissionais realiza trabalhos de carpintaria e de arte que são requisitados de muitos lados de Moçambique. O Pe. Hilário, ajudado pelos Padres Claudino e Lázaro, está atento aos sinais dos tempos (as crises não aparecem só na Europa…) e vai orientando com prudência e sabedoria a autonomia económica da escola. Penso não cair em exagero ao afirmar que este Centro Polivalente é a maior empresa daquela região dando emprego a muita gente e, por isso, garantindo melhores condições de vida a muitas famílias. O Pe. Hilário não se cansa de agradecer à Província Portuguesa SCJ a ajuda e o apoio que sempre lhe prestou e que tornou possível que o sonho do Centro se tornasse uma realidade. Aprecia e admira muito o trabalho dos jovens voluntários mas sugere que no futuro se pense também em enviar gente mais avançada na idade: reformados ou pessoas que possam dispor do seu tempo e dedica-lo a esta causa do voluntariado. Informa que no Centro existem pequenas casas que podem ser ocupadas e que favorecem a estes possíveis voluntários uma vida mais independente da comunidade religiosa. Aqui fica o desafio: haja vontade de trabalhar que trabalho não falta…
Já em Lichinga, depois desta viagem, percebi a razão do entusiasmo e da alegria que os missionários, de passagem por Portugal, nos transmitiam quando eu era ainda uma criança no seminário. Só quem ama sem limites e se doa aos outros sem condições é capaz de construir as obras tão belas que eu tive a felicidade de ver e sentir.
Obrigado a todos os meus confrades moçambicanos e a todos(as) aqueles(as) que tiveram a ousadia e a alegria de partilhar um pouco das suas vidas comigo.
Padre José Manuel
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