segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

NATAL 2011 em Napipine

Nestes dias de Natal, tenho recebido da Europa muitos emails e mensagens de telemóvel, frases feitas, slogans batidos. Até um email com uma imagem do presépio e por baixo vinha escrito feliz natal de 2010. É isso. A pessoa foi buscar a mensagem que mandou o ano passado e nem se deu ao trabalho de mudar a data. É natal repetido.

Aqui em Napipine, bairro de Nampula com quase 100.000 habitantes, tudo é diferente, novo, criativo.
Nas vésperas de Natal, pediram-me para ajudar a confessar. Deixei de lado os trabalhos da universidade e virei só pastor, padre. Interessante as confissões. Quando terminavam a lista dos pecados em português ou macua, diziam: terminei de falar. Para mim era óptimo. Assim sabia quando terminavam, pois macua não é o meu forte.

Cá o P. Ricardo dizia que na missa da noite de Natal, entrávamos às escuras e depois acendia-se a luz. Pois. O problema é que desapareceu a luz pelas 18.00 horas e a missa era às 20.00h. Entrámos às escuras, glória às escuras e por aí adiante. Eu ia aguentando a lanterna que trouxe da Decathlon para o P. Elias poder ler as orações.

Na escuridão, proferiu uma homilia toda encarnada e inculturada, não fosse ele o melhor etnólogo da região. Entre outras coisas dizia… o boi no presépio respeita o seu dono, mas o burro respeita quem lhe dá de comer. Para bom entendedor…
E assim tudo prosseguia na escuridão, mas muito animado com cantos e danças. Sim. Estou a falar da Eucaristia da noite de Natal.


Quando estávamos na acção de graças veio a luz. Ainda bem. Antes de acabar a missa veio o homem dar os avisos. Entrou preocupado dizendo que durante a missa que foi às escuras, roubaram o menino Jesus do presépio e pediu que restituíssem o menino Jesus ainda ali na celebração. Roubaram o menino Jesus de Napipine? Todos na igreja soltaram um grito de espanto. Mas eis que de repente, aparece um acólito com o menino na mão. Todos queriam saber quem tinha sido o ladrão. Então o P. Ricardo foi ao microfone e disse que não tinha sido roubado. Apenas estava no armário da sacristia.
Acabada a missa, viemos para casa, onde comemos um bacalhauzinho, enviado pelo correio pela Stela, de Loulé, de Portugal. Eu, o P. Elias, o P. Emílio e o P. Ricardo não deixamos nada na travessa. Segundo o P. Ricardo, grande cozinheiro, o bacalhau esteve muito tempo de molho. Eu, cá para mim: muito ou pouco, comi e estava bom.




Dizia o P. Elias em tom de quem gostou do bacalhau: sabe sempre a aperitivo…
E depois de nos dar a cada um pequeno presente, trazido pelas irmãs salesianas, fomos repousar que o dia de Natal ia ser duro.
(…)
No dia de Natal, os outros três padres saíram para celebrar o Natal noutras comunidades. A mim coube-me em Napipine, na paróquia de S. Pedro às 8.00 horas da manhã. Tinha um pequeno acrescento: é que eu tinha que fazer 41 baptizados, segundo o P. Ricardo. Lá fomos para a celebração. A igreja estava cheia. Pudera. Dia de Natal. Napipine. Baptizados. Tudo isto ajuda a encher ainda mais.
Tudo estava perfeitamente organizado. Parece-me que temos de aprender não só como as formigas fazem o moché, mas também a organização dos moçambicanos. Até havia um segurança, com a identificação a pôr as pessoas em ordem na igreja.

Quando chegou a altura dos baptizados, todos eles se colocaram em fila no corredor da igreja. Comecei por juntar dois ritos: o sinal da cruz na testa e a unção pré-baptismal.
Fazia primeiro eu, depois mandava os pais e padrinhos. A uma certa altura via só homens a fazer o sinal da cruz. Perguntei: e a mãe? Já morreu, disseram. Calei-me interiormente. Mais à frente já depois de uns tantos sinais, talvez por cansaço, já ia fazer o sinal da testa da mãe em vez da criança. Às vezes, mandaram-me parar, porque eu não tinha reparado que estava uma criança no meio deles, aos meus pés…algumas crianças gritavam, outras estavam caladas e outras a dormir… nesse aspecto não difere da Europa.

Depois do sinal da cruz eu ungia com o óleo pré-baptismal. Não é que uma mãe também achou por bem, molhar o polegar no óleo e benzer a sua filha com óleo…Eu cá para mim: daqui a pouco estão a rezar a missa no meu lugar. E assim continuou a cerimónia dos quase 41 baptizados.

Depois de acabar os ritos do baptismo, a missa ia continuar com a dança do ofertório que leva algum tempo. Sentei-me a suar e como não me pareceram 41 baptizados perguntei ao ministro da Palavra (sim aqui são todos ministros com túnica) quantos eram os baptizados afinal? São 30 respondeu-me categoricamente. Perguntei ao do outro lado que me respondei também com uma pretensa convicção que eram 32. Afinal, eram 41, 30 ou 32? Fiquei ainda mais baralhado. Que eram mais do que muitos lá isso eram. Está bem. Fiquei resignado. Até que chega um acólito com um bilhetinho escrito a dizer que os baptizados eram 31. Então temos mais uma tese: 41, 30,32 ou 31? Como não vêm assinar o livro de registo dos baptismos, fico com quatro versões para usar quando quiser.

A missa continuava muito viva. Na acção de graças, houve a dança das mulheres: linda, linda. A dança claro. Estavam no corredor da igreja duas filas de mulheres a dançar. A uma certa altura levantam-se muitas das que estavam sentadas nos bancos e começaram elas também a dançar.

Seguiram-se os avisos. Entre outras coisas, o avisador disse que quem quisesse as fotografias do baptismo podiam ir buscá-las ao alpendre no fim da missa. Toda a gente começou a rir. Eu percebi. Primeiro vão ver as fotografias na máquina digital e se gostam pagam antecipadamente e as fotografias ser-lhes-ão entregues dois dias depois…


Lá terminei a eucaristia com uma saudação final, dizendo que o dia do Natal é festa, mas não com a carne do cabrito roubado, mas com o que cada um tem. Eu tinha referido na homilia que uma vez alguém para fazer festa foi roubar um cabrito. Dizia que o Natal é manifestação de fé inquebrável como uma coluna de cimento. Disse também que há o dia da mulher, da criança, do homem, do pai, da mãe, da família, mas não há o dia dos filhos. O dia dos filhos é o dia de Natal. Jesus, filho de Deus. Nós, filhos de Deus.


Terminei a celebração e pedi ao ministro da Palavra para dar o menino a beijar.
Vinha a correr para casa, porque estava um sol incrível e eu não tinha levado chapéu: ainda cumprimentei quem encontrei pelo caminho e vinha para casa, quando me chamaram. Era uma senhora idosa. Trazia um saquito na mão. Ela disse que era para os padres. Abriu. Era uma garrafa de champanhe. Disse ela: é da família Raul. Quem é a família Raul? É uma família de Napipine que tem um filho padre diocesano no Gurué (P. Daniel), uma filha freira das irmãs mercedárias. Alí estava a velhinha a dar-me a garrafa. Ao lado, estava a filha com uma criança nos braços. Vive em Maputo e a criança ainda não foi baptizada. Vieram visitar a mãe. Depois apareceu o filho Basílio que trabalha em Pemba. Pela conversa percebi que trabalha com a Doutora Madalena Baptista de Coimbra (seu pai dava educação física aos alunos do Instituto Missionária) que comigo fomos os dois primeiros doutorados em Ciências da Educação pela Universidade Católica em Portugal.

E assim foi o princípio da manhã do dia de Natal com a missa a começar às 8.00 horas e a terminar às 10.30 da manhã…

Adérito Gomes Barbosa, scj
Nampula, dia de Natal de 2011
NB. As fotografias referem-se ao auto-de Natal que antecedeu a missa da noite de Natal.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ALUKHU

Esta manhã, o P. Elias, o P. Ricardo, o P. Emílio Jorge e eu saímos às 7.45h da manhã e fomos confessar os cristãos de Murrupaniua aqui a 5 kms, comunidade conhecida pelos voluntários dehonianos que estiveram aqui em 2008. O carro foi por uma estrada que para mim não era mais que um pequeno leito de um rio seco. Mas conseguiu chegar até à igreja, construída pelo italiano, P. Afro. Mal chegados, vimos muita gente. Cada família a cozinhar frango, peixe, fora da igreja. O que é isto? É alukhu responderam. A palavra alukhu significa criança ou noviço.


Em África, há muito tempo que existem os chamados ritos de iniciação para os rapazes e para as raparigas, cada um em separado. Fundamentalmente, consiste em instruções, práticas e ritos para preparar os rapazes e as raparigas para a vida adulta, sempre no sentido de depois terem filhos para continuarem a descendência dos antepassados. Entre as actividades, aprendem a caçar, indo para a floresta. É um assunto que muitos não querem falar, já que entram questões sexuais (para as raparigas, a mutilação e para os rapazes a circuncisão). No entanto, hoje já há mais respeito pelas raparigas, continuando a circuncisão nos rapazes.




É uma tradição muito enraizada no meio do povo. Praticamente, quem organiza hoje aqui é só a Igreja Católica, mas vêm muçulmanos e de outras religiões, como a religião tradicional.

Assim, depois de termos confessado, eu e o P. Elias, grande etnólogo entendido nestas coisas, entramos na barraca onde estavam os 105 adolescentes, alguns ainda crianças. Começou a circular a ideia de que estes ritos iam acabar. Então as famílias com medo, mandam os seus filhos ainda bastante crianças para estas cerimónias. Entraram para a barraca a 24 de Novembro e saem a 24 de Dezembro. O último dia é considerado um grande dia de festa. Pois todos os que fizeram esta iniciação são considerados adultos, maduros e responsáveis.




É também um negócio que mexe dinheiro pago pelos padrinhos. Este dinheiro vai para os que vêm dar conselhos, uma parte para o régulo e uma parte para quem organiza.

E às 9.00 horas da manhã estávamos a regressar, para eu poder continuar a corrigir os projectos de doutoramento em Ciências da Educação.

Adérito Gomes Barbosa
Nampula, 23 de Dezembro de 2011

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Grande esforço em ordem à presença da UCM em Lichinga

1. Encontro entre a Delegação da UCM e a delegação da Diocese

A Universidade Católica de Moçambique (UCM) está a fazer um grande esforço para se tornar presente em Lichinga. Para sermos mais justos, deveremos dizer que este sempre foi um desejo do bispo de Lichinga, D. Élio Greselin.
Assim, no dia 16 de Dezembro de 2011 realizou-se uma reunião histórica em ordem à implantação da UCM aqui em Lichinga, na continuidade de outras anteriores.

A delegação da universidade era composta pelo vice-reitor Vilanculos, também director da faculdade de educação e comunicação de Nampula, pelo responsável da zona norte 3 (inclui Niassa, Nampula e Cabo Delgado) e director da Faculdade de Direito de Nampula (P. Fernão), pelo Dr. Alfândega, da Faculdade de Economia e Gestão da Beira. De Cuamba estavam presentes: o Eng. Nduna, o Dr. Filipe, o jurista Ruben Henrique e o decano da faculdade de agricultura de Cuamba (288 alunos), (Eng. José).
A delegação da Diocese era encabeçada pelo bispo da Diocese (D. Élio Greselin), pelo vigário geral, pároco da catedral e membro da comissão instaladora (P. Joaquim), pela directora do Centro Polivalente (Ir. Vitória), pela administradora da diocese e membro da comissão instaladora (Ir. Delvina), pelo Director Geral do ESAM e membro da Comissão Instaladora (Dr. Francis), e por mim (Adérito Gomes Barbosa), como convidado em ordem a apoios futuros de Portugal, sobretudo ao nível da biblioteca.

Durante toda a manhã, foram analisados pontos em ordem à abertura da UCM, já em Fevereiro ou Março de 2012 aqui em Lichinga quer ao nível de instalações, quer ao nível de organização dos diversos cursos, tendo como estimativa a inscrição de 150 alunos.
Os cursos que hão-de funcionar serão uma extensão da Faculdade de Agricultura de Cuamba.
Assim, ficou determinado que a UCM em Lichinga arrancasse com três cursos:
- Administração Pública
- Direito
- Contabilidade, gestão e comércio.


2. Frases soltas da reunião
- Não podemos apertar o pescoço à faculdade, mas devemos ver o que se pode fazer.
- Tudo começou como acordo entre irmãos.
- Reembolso? Empréstimo? Renda? É tudo a mesma coisa?
- É mais um pensamento a menos.
- Milímetro por milímetro. Colocamos gotas de dinheiro.
- A presença da UCM pode oferecer mais clientela para o comércio em Lichinga.
- Alugar entre irmãos.
- Quem fica mal na fotografia?
- Não quero perder a universidade por causa do dinheiro (bispo).
- O zero nunca foi mínimo (Francis)
- É preciso idoneidade e competência (Fernão).
- A universidade sempre foi o sonho do bispo.
- Quando o filho nasce, a mãe deve pensar nele no primeiro mês (bispo).
- Quando o filho está a crescer, não pode ser abandonado na estrada (bispo).
- A diocese é uma mãe com muitos filhos. Deve alimentar todos. Não se pode deixar morrer nenhum (vigário geral).
- É a primeira vez que nasce esta criança.
- Não começar cursos com pessoas cochas.



3. Fim
E assim terminou a reunião, sem intervalo, desde as 8.30h da manhã até às 13.30h nesta cidade de Lichinga, cujo nome indica curral, por estar rodeado de montanhas, cidade encurralada que tenta abrir-se cada vez mais à cultura.



Adérito Gomes Barbosa, scj
Lichinga, 16 de Dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Odisseia Nampula Lichinga

Para começar, há que dizer que não é possível fazer este percurso directo, sem ser por avião ou carro particular. Nesse caso, sem orçamento para o avião, planeei fazer a viagem, de comboio, Nampula até Cuamba e de chapa Cuamba até Lichinga.

No sábado, dia 10 de Dezembro de 2011 (por sinal, dia dos Direitos Humanos), dirigimo-nos pelas 15 horas para a estação de comboio de Nampula, a fim de comprar os bilhetes de segunda classe para a viagem de domingo.

Na fila, encontrava-se também o P. Augusto, padre diocesano da Cerâmica em Lichinga, mas a trabalhar no seminário diocesano de Nampula. Reconheceu-me, veio oferecer-se para comprar o nosso bilhete, uma vez que estava muito perto da bilheteira. Lá lhe demos o dinheiro para comprar o bilhete para mim, para a missionária Gabriela e para a brasileira Ir Fátima.

Aproximou-se para comprar o bilhete de segunda, mas veio logo ter connosco dizer que só havia de terceira. Isto quer dizer ir no meio de pessoas e animais. Pois, sendo para viajar, arriscámos…

No dia 11 de Dezembro chegámos à estação de comboio de táxi as 4h da manhã.

Na estação para entrar para dentro havia uma fila para homens e outra para mulheres, isto só para passar a barreira e picar o bilhete.

Ao entrar na última carruagem da terceira parecia um filme do Texas.

Os bancos estavam todos ocupados, o corredor igualmente. Como podia eu passar além da porta de entrada? Chega o polícia e diz que não posso ficar à entrada da porta. Eu disse-lhe que o corredor estava atulhado de gente e eu não conseguia andar mais.

Então o polícia disse-me para sair do comboio e corresse para o Botequim (bar) que tem mesas e bancos. Lá sprintei, mas o bar estava repleto de gente, com pessoas em pé à espera de gente para se sentar. Afinal o P. Augusto estava lá sentado numa cadeira. Mal me viu levantou-se para me oferecer a sua cadeira.

Continuei de pé. Eram 5 horas da manhã e o comboio começava a rolar. Tive que aguentar de pé até às 8 e 30 da manhã. A esta hora o dono do bar, um mestiço simpático disse para me sentar num lugar livre. Aproveitei logo. Daí a pouco aparece um rapaz que me diz que o lugar é dele. Ok. Levantei-me e disse para ele apertar um pouco para eu me sentar. Ia mais no ar do que sentado, mas era melhor pouco do que nada.

Assim passamos Rapale, Caramanja, Namina, até chegarmos a Ribaué. Aqui desceu o tal rapaz com a mulher, com cara de japonesa, mas é capaz de ser moçambicana.


Aí tornei-me dono, senhor e rei do meu lugar. Ao meu lado, ia uma mulher muçulmana, Latifa que viajava com o seu filho Fraquito (nome da criança), ao meu lado. Começou logo a dizer que estava muito stressada, porque discutira com o marido. Este veio trazê-la à estação de comboio, mas sem falar com ela. Perguntei como poderia destressar. Disse-me para eu lhe emprestar dinheiro para uma cerveja que me devolveria (esta palavra não existe) em Cuamba. Lá lhe ofereci um copo de cerveja de 30 meticais. Daí a pouco diz que tem dores de cabeça. E só passaria bebendo outra cerveja. Calma, lá. Ajudar sim, ser lorpa não. Por acaso não percebi que sendo ela muçulmana bebia álcool cerveja. Mas tudo bem.

Depois de passarmos por Malema, chegamos a Mutuali. Pedi-lhe para me ir comprar um saco de mangas que custariam dez meticais e passei-lhe o dinheiro para a mão. Ela passa-me o filho pequeno dela para os meus braços e pôs-se a andar para comprar fruta. O P. Augusto que estava lá mais à frente olha para mim e vê-me com o filho da muçulmana nos braços. Que fazer? Disse eu. Olhou para mim, sem falar.

Ai Latifa, Latifa. A viver em Mecuti (Pemba), com o quase marido (já têm dois filhos) em Nampula…
Bem. Daí a pouco aparece a mulher com vários sacos de mangas, mas com uma teoria africana. Encontrei o revisor que me pagou estes sacos de mangas. Eu disse: calma lá. Não me vais fintar. Eu dei-te 10 meticais e um saco é meu. Certo? Lá se deixou derrotar pela sua teoria: Ah! Está bem! Pois está, disse eu. E já a 20 minutos da chegada a Cuamba, agarrei o saco das mangas, a minha mochila e vim para junto da porta de saída. Não fosse outra teoria de qualquer outra tribo convencer-me que as mangas não eram minhas e os meus dez meticais que dei para as mangas desapareceram. Mal imaginava eu que este saco de mangas parava em Cuamba uma noite e continuaria até aqui Lichinga e foram bem saboreadas pelo bispo.

Mas a Latifa tentou mais um drible. Quem te vem buscar à estação? Uma pessoa amiga. E não me pode levar também com estes sacos todos? Eu aí usei um raciocínio típico africano, a que chamam finta: sabes. Não é bem uma amiga que me vem buscar. É uma amiga de uma amiga e portanto não tenho muita confiança. Se fosse a minha amiga que é amiga da que me vem buscar, dava. Assim não dá. Percebeste? Ficou baralhada.

E chegamos à estação às 16 horas. E como a Gabriela trazia o merendeiro e ficou na carruagem de trás. Fiquei sem pequeno almoço e sem almoço… em jejum às 16h. Porra.

Ainda bem que a Rai que é amiga da Marli que estava em Nampula estava mesmo à nossa espera com ar de acolhedora. Fomos até casa destas missionárias brasileiras. Tomei um duche rápido. É que estava cheio de fome. Sentei-me à mesa e foi comer tudo ao mesmo tempo: pequeno-almoço, almoço, jantar às 17 horas. Fui para o quarto dormir, porque às 4,30h da manhã tinha que me levantar.

Dessa maneira fui para o quarto, pedi à Rai para ligar a ventoinha. Afinal não era carregar no botão que a ventoinha andava. Era dar duas voltas em cima com a ajuda das mãos e depois ela pegava sozinha… assim foi…com a ajuda da outra missionária que se chama Flor de Maria.

Às cinco da manhã, arrancámos para o lugar dos chapas, carrinha de nove lugares que trazia pelo menos o dobro. Vá lá. Ofereceram-nos os dois lugares ao lado do motorista. Assim, pudemos colocar à frente o saco das mangas. Antes de começar a viagem, em frente da estação, estava uma estalagem muçulmana. Pedi para ir à casa de banho. Disse-me uma criança: cinco meticais. Fui à casa de banho. Quando saí, dei os cinco meticais, mas disse-me que eram dez. Eu não estava a gostar desta finta, mas para não chatear, lá paguei.

Começamos a viagem. Que estrada! Que lama! Que buracos! Lá fizemos das 5.30h até às 9.30h uma grande parte da viagem até Mandinga (praticamente a fronteira com o Malawi e dez quilómetros de Mitande, onde estiveram as voluntárias Gabriela, Joana Coelho e Milu a fazer voluntariado.

Em Mandimba, a chuva molhava mesmo. O motorista Jorge do minibus disse para sairmos e irmos para debaixo de uma varanda de uma casa que depois nos chamaria. Aproveitamos esse bocadinho de tempo para acabarmos os restos do que serviu para pequeno-almoço, almoço e jantar no dia anterior.
(Estou a escrever-vos em Lichinga. Aqui vem o comboio uma vez por mês e neste momento estou a ouvir o comboio a passar!!!).

Daí a pouco retomamos a nossa viagem, já com alguns malawianos que tinham vindo do Malawi, mesmo ali ao lado como disse.

Vinha um outro minibus à nossa frente e tinha tido problemas no depósito da gasolina. Então o nosso Jorge disse que o nosso carro era bom e não avariaria como o outro. Porque é que ele foi dizer isso? Depois de andarmos um bocado e apanharmos a estrada alcatroada, o carro começou a andar devagar. Daí a pouco, ele disse que tínhamos que parar porque havia um pequeno problema: o tubo da água do radiador estava furado. Era preciso arranjar. Disse ele que era rápido. Esperamos uma hora, mas o engenheiro do momento conseguiu colocar aquilo a andar.

E lá fomos andando até chegarmos a Massangulo. Aí a polícia manda parar e implicou com os do Malawi, mas como estavam documentados seguimos viagem. Pelas 15 horas, entrámos em Lichinga com chuva e frio.

Na última parte da viagem, o motorista começou a conversar e a dizer que Lichinga era um curral de bois antigamente e depois espalhou-se esse nome. A seguir começou a falar do lago Niassa. Dizia que o crocodilo podia apanhar negro, mas quando via um branco como eu, fugia. Terei mesmo a cor da lixívia? Neste caso, tem vantagem.

Mas em vez de nos deixar no mercado central, onde terminou a viagem, teve a gentileza de nos trazer até aqui à casa do bispo católico.

E quem estava para nos receber? Nem mais nem menos que o bispo que estava a sair com o vigário geral para uma visita pastoral.

À tarde falhou a luz. Celebramos a missa à luz das velas e da lanterna a manivela que estava no meu bolso…eu, o Ir. José Meone, a Gabriela, um voluntário italiano Mário.
Adérito Gomes Barbosa

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cuamba a Nampula… de comboio

Toda a gente diz que andar de comboio de Nampula a Cuamba que é um espectáculo. A mim parece-me que andar de comboio de Cuamba a Nampula é que é um espectáculo.

Para começar, vais comprar o bilhete na véspera, mas as bilheteiras estão abertas só na hora em que chega ou parte o comboio. Depois, tens carruagem de segunda e terceira. Não há carruagem de primeira. Na terceira viaja tudo: pessoas, galinhas, cabritos… tudo tem lugar.

Já a segunda custa 400 meticais. Já é muito dinheiro para cá. São carruagens com compartimentos de 6 lugares. Ficam três pessoas frente a outras três, a não ser que alguém vá lá para cima, onde estão as malas e vá a dormir o tempo todo como aconteceu. Afinal são 12 horas de comboio. Sai às 5.30h da manhã de Cuamba e chega às 17.30h da tarde. Segundo algumas versões, não muito credíveis, há motoristas que aceleram o comboio como o chamado russo e chega mais cedo a Nampula. Segundo outros, há maquinistas que param, vão almoçar com a namorada e só depois retomam a marcha.

Assim, em vez de chegarem às 17.30h chegam às 23h. Apesar de eu não ter visto muitas lupas por aí, há gente que acrescenta um conto ao ponto.

Não é que o comboio partiu a tempo e horas? A primeira grande paragem foi em Mutuali. Aí dezenas de pessoas aproximam-se com cestas de mangas à cabeça e nós da janela, vemos, apreciamos, escolhemos as que não estão verdes ou estragadas.


 
Como eu não percebia nada disto aqui, pedi a uma mulher para me escolher dois sacos grandes de mangas que custavam 20 meticais para eu trazer para a comunidade, onde me encontro com o P. Elias e o P. Ricardo, já que o P. Augusto foi para Maputo acabar a sua tese de filosofia.


Eu pensava que lhe estava a dar uma nota de 20 meticais. Afinal dei-lhe uma de 50 meticais. Então disse para mais à frente comprar bananas para eu trazer. Comprou-me em Malema umas bananas deslavadas e murchas…eu perguntei…afinal estas bananas custam trinta meticais? Não. Sobrou dez meticais. Eu disse para comprar algo para os filhos que iam com ela.

Mas cada vez que o maquinista via alguém com uma gamela de mangas, tomates, cebola ou alho à cabeça, parava o comboio. Fez-me lembrar o autocarro que parava em todo o sítio para carregar e levar passageiros quando eu era pequeno. Nessa altura levava mais de uma hora para fazer 15 kms. Agora estamos a falar de Cuamba a Nampula que são 400 kms.

E assim o comboio ia andando ao sabor do maquinista e do mercado que estava junto à linha. A paisagem é verde, bonita, mas não exageremos…É todo o movimento das pessoas…
Ia uma mulher bastante forte com uma criança que dizia ser sua filha. Para mim deve ser a avó, mas armou-se em esperta a dizer que era a mãe da criança de 5 anos. Estava sempre a dar comida à criança…
E chegou a hora do almoço – há uma carruagem restaurante – todos pediram shima, batata frita e caril. Eu puxei do meu saquinho e comi a sande de ovo que me deram em Cuamba e bebi da água que eu trouxe numa pequena garrafa.

Ficaram todos a olhar para mim como que a dizer: branco sofre…
Quando já estávamos a chegar, esta mulher pede-me o meu telemóvel e começou a mexer. Eu perguntei o que queria ela do meu telemóvel. Respondeu-me que queria ver um número. Lá mexeu no dela. Lá mexeu no meu. E eu parvo a olhar para esta esperta como um rato.

Fiquei desconfiado. Quando cheguei a Nampula, perguntei, porque é que a mulher queria mexer no meu telemóvel. Responderam que no Mcell pode transferir-se dinheiro de um para outro até 100 meticais. Nunca percebi se ela me tirou dinheiro ou não…

Chegados a Nampula, era preciso ter cuidado com as malas e as mangas, porque ladrão é mato e sabe roubar, é profissional. Assustaram-me de tal maneira que quando eu saia do comboio não queria ninguém por perto.

E cheguei a casa com os meus pertences e os dois sacos de mangas…
Adérito Gomes Barbosa

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cuamba, 21 a 27 de Novembro de 2011

Cuamba! Antiga Nova Freixo! A quatro centenas de quilómetros de Nampula, assim como de Lichinga. Dizem que até ao Gurúè são apenas duas horas de carro.

Mal cheguei a Cuamba instalaram-me na casa azul. Será que tem luz? Será que tem água? Perguntar se tem internet é como perguntar numa pensão em Portugal se tem piscina de água quente. Portanto, não perguntei. Porque seria uma pergunta sem contexto.

Ia almoçar e jantar à paróquia S. Miguel que dista daqui uns 15 minutos a pé.
Logo no primeiro dia, lá ia eu com a minha saquita às costas, onde levo sempre uma máquina fotográfica e um caderno de apontamentos, e uma criança mesmo pequena atira: olá branco. Olhei para ela. Deu-me vontade de dizer olá pretinho, mas calei-me.
No entanto, os voluntários dehonianos que estiveram cá em 2010 a trabalhar em bibliotecas falavam muito no P. Leonel e no P. Rogélio. Eu nunca os tinha visto. Apenas algumas fotos.
Chegava eu de avião e estava no aeroporto de Nampula à espera da mala. Vejo um indivíduo cuja cara não me era estranha. Você chama-se Leonel? Sim. Ah É o padre Leonel. Sim. Sou. Assim fiquei a conhecer um dos padres mais falados pelos voluntários dehonianos.


Estava eu já a pensar vir para Cuamba de comboio, mas eis que a Ir Marli organizadora do congresso que eu vou intervir, a dizer que o P. Leonel vem para Cuamba e dá-me boleia. Óptimo. Assim foi. Segunda-feira dia 21 de Novembro às 5 horas da manhã em ponto, arrancamos de Nampula para chegarmos aqui a Cuamba pelas 12 horas.

Paramos apenas uma vez, porque um polícia pôs-se no meio da estrada, obrigando-nos a parar. Queria boleia para o posto de trabalho dele. Lá levamos o homem uns bons 15 quilómetros no meio de buracos e pedras.

O P. Rogélio? Estava eu a escrever no meu caderno estas notas sentado numas cadeiras mesmo fora do refeitório da paróquia e eis que entra um padre: chamo-me P. Rogélio e estou agora em Mecanhelas. E lá falou do Eduardo, da Maria, do Paulo, da Natália, do Rogério e do fotógrafo de Arouca. É que veio para uma reunião dos padres da Consolata aqui no norte de Moçambique, onde estava também o P. Frizzi que escreve muito sobre os macuas. É um tipo Elias Ciscato cá do Niassa.

Também estava ali sentado, porque uma antiga leiga para o desenvolvimento, disse que queria falar comigo às 17 horas. Esperei. Esperei. Não apareceu…Pois…

No dia a seguir, uma brasileira, Raimundinha, leiga consagrada, mulher de chás de plantas medicinais, convidou-me a ir a Mitúcuè, antiga missão da Consolata, que tem hoje à sua volta 66 comunidades que funciona como segunda paróquia. Ali a Raimundinha apresentou-me uma árvore que se chama Índia e que tem efeitos medicinais para a malária, parasitas intestinais, pele e anticonceptivos.

Bem, a paróquia aqui em Cuamba chama-se S. Miguel Arcanjo e tem à sua volta 96 comunidades cristãs.
Aqui Cuamba está em tempo de eleições. O administrador demitiu-se e então há um candidato da Frelimo (homem) e um candidato do MDM (mulher). São bandeiras, carros da Frelimo a passar, já que ao que me parece o único carro do MDM que anda a fazer propaganda é o carro do pai da candidata já que o resto é à base de bicicletas.

Ainda hoje, estávamos para ir almoçar e aparece a ministra do ambiente de Moçambique para falar com o pároco e pedir-lhe para que peçam ao povo para não haver violência durante a campanha.
Pois no primeiro dia, foram vários feridos para o hospital….
Para impressionar o povo estão a substituir os postes de electricidade da cidade. Tiram os de cimento que estão bons e colocam uns de madeira que daqui a algum tempo caem de podres…

E os caminhos cheios de pó, bandeiras a voar no meio do pó, cá estamos nós nesta terra, a ouvir de vez em quando o comboio a apitar, ou porque está a fazer manobras, ou porque está a experimentar o apito, ou a sair para Cuamba ou para Lichinga (de mercadorias e uma vez por mês).

E agora vou dormir ao som do apito do comboio, porque amanhã então na Faculdade de Agricultura de Cuamba começo as minhas conferências sobre o papel da educação no desenvolvimento da sociedade para professores do secundário e da universidade.

Assim, foi todo o dia de hoje na Universidade a discursar e a dialogar sobre a educação. O problema foi convencer um professor de que a mentira não é um valor nem se deve praticar. Dizia ele: se estou preso, peço ao guarda para ir à casa de banho, depois fujo. Esta mentira para sair da cadeia é correcta diz ele. E eu perguntei: e você é professor? Pois sou, diz ele. E eu respondi: pois.

Fiquei mal impressionado com o que me disseram: que os professores em Cuamba estão sempre Mal apresentados e bebem de mais. Espero que alguma coisa tinha ficado hoje depois de falarmos de educação, desenvolvimento, sociedade, escola contemporânea.
Amanhã há mais…
Do Seminário e da viagem de comboio Cuamba Nampula falarei depois. É um espectáculo.
Cuamba, a capital do algodão.
Cuamba, 27 de Novembro de 2011
Adérito Barbosa