No dia 30 de Agosto, terça-feira, logo de manhã cedo, a irmã Olívia e os três voluntários de Viseu (padre José António, Sónia e Ju) foram buscar-nos a casa, para iniciarmos a nossa viagem para o Cobué. Passámos por várias aldeias, sendo que as casas encontravam-se à beira da estrada. Vimos várias mesquitas e vários muçulmanos nas ruas, pois era o último dia do Ramadão.
Depois de pararmos em Metangula para almoçar, continuámos a nossa viagem: passámos por mais aldeias, mais embondeiros, muitas “torres de formigas” e muitas paisagens lindíssimas.
Chegámos ao Cobué, eram quase cinco da tarde, o que significa que o sol estava quase a pôr-se. Então, apenas houve tempo para nos instalarmos no sítio onde iríamos ficar a dormir nos 13 dias que se seguiram e de ir tomar banho no Lago Niassa.
Depois do jantar, fomos ver as estrelas lá para fora (o céu estava muito estrelado), enquanto rezávamos o terço. Acabámos por nos deitar por volta das 21h.
No dia seguinte, tivemos missa logo às 8h. As pessoas na igreja sentam-se homens de um lado e mulheres do outro.
Depois da missa, fomos lavar a loiça ao lago e vieram três miúdos atrás de nós. À medida que íamos descendo a rua em direcção ao lago, iam juntando-se mais crianças; ou seja, chegámos ao lago com mais de vinte pessoas. Estive a tirar-lhes fotografias (eles adoram ser fotografados e depois ver logo a fotografia na máquina) e ensinei-lhes um jogo. Quase ninguém sabia falar português (ali na zona falam um dialecto chamado nianja), então só as crianças mais velhas é que conseguiam perceber mais ou menos aquilo que eu dizia.
Quando regressávamos a casa, passámos por umas casas e ouvia alguém chamar pelo meu nome.
Olhei para trás e era uma rapariga, talvez da minha idade, que nos convidou para ir comer “shima” (é uma papa feita com farinha e água, que parece puré, mas é mais dura e insonsa). Entrámos em casa dela, provámos a “shima”, mas não pudemos ficar muito tempo, porque tínhamos de ir almoçar com o grupo.
Depois de almoço estivemos apenas a conhecer o Cobué e as praias. Numa das praias, estavam crianças a lavar a loiça, que nos vinham pedir para lhes tirarmos fotografias, para eles poderem ver logo a seguir.
Na manhã do dia 1 de Setembro, estivemos a dar uma pequena aula de português, ao ar livre, às crianças, a pedido da irmã Olívia. Começaram por ser apenas 20 miúdos, mas quando dei por ela eram já cerca de 40. Como a maioria não percebia português, a única coisa que fizemos, eu e a Patrícia, foi dizer os nossos nomes, perguntar os deles e escrever em folhas frases, como “Como te chamas?”, “Eu chamo-me Catarina” e “Quantos anos tens?”.
Depois desta pequena aula de português, fomos até ao lago e algumas crianças vieram também e brincaram connosco na água. Fomos deitar-nos um pouco na areia e eles vieram deitar-se ao nosso lado. Ao início mantinham uma certa distância, mas depois alguns deles acabavam por vir para cima das nossas toalhas. Como eles começaram a meter-se connosco, nós também nos metemos com eles, então eu ensinei-os a fazer um coração com as mãos. Eles riam-se imenso e imitavam o que eu tinha feito; alguns começaram a desenhar corações na areia. Eu levantei-me e fui para a beira do lago desenhar coisas simples, como corações e flores, na areia molhada. Depois eles começaram a pedir-me para escrever os nomes deles na areia. Relembro que a maioria não sabe falar português, portanto comunicar com eles é um pouco complicado. Mas, para estas crianças, sorrir para eles, dar-lhes as mãos ou fazer-lhes cócegas é o suficiente; não são precisas palavras, basta dar-lhes um bocadinho de carinho.
Depois de almoço, fomos a mais uma missa, celebrada pelo padre José António.
De seguida fomos para uma zona da aldeia mais longe do sítio de onde estávamos, para visitar o marido da mamã chefe (a mamã das mamãs, a mais velha das mamãs), chamado Leonardo, que tinha sido amputado há pouco tempo e, por isso, não se podia deslocar para ir à missa.
As crianças vieram connosco. Eram cerca de 40 e todos queriam dar-nos as mãos.
Quando saímos de casa do senhor, fomos até ao lago com as crianças, onde lhes ensinei o “aram sam sam”. Tentei que eles ficassem todos juntos na praia e continuassem a fazer o “aram sam sam”, porque íamos para casa, mas era impossível: eles andavam sempre atrás de nós, a agarrar-nos as mãos e os braços. Sempre que púnhamos um pé fora de casa, vinham logo os miúdos atrás de nós para nos dar as mãos e passear connosco.
No dia seguinte, dia 2 de Setembro, uma sexta-feira, enquanto uns foram comprar pão para o pequeno-almoço (havia apenas uma padeira no Cobué, que fazia uns pães muito bons), eu fiquei em casa. Entretanto, apareceram umas crianças com cadernos, porque queriam aprender mais português. Como nessa manhã íamos celebrar missa a outra aldeia, chamada Mataca, não tinha tempo para estar com eles e ensinar-lhes português, então dei-lhes uns lápis e umas canetas (fornecidas pelo padre José António) e eles estiveram a fazer desenhos. Ao distribuir as canetas, disse-lhes que era apenas uma para cada um e eles respeitaram isso, de tal forma, que houve um que me tentou enganar e eu dei-lhe uma segunda caneta, e os outros foram logo todos tirar-lhe a outra caneta do bolso para me devolver, porque era só uma para cada um. Mostraram-me as suas obras de arte, depois do pequeno-almoço, e a maior parte, principalmente as meninas, tinham desenhado uma árvore que, em vez de folhas, tinha corações, e eu gostei muito dos desenhos.
Seguimos para a Mataca e, depois da missa, fomos visitar a aldeia. A senhora Maria (a única mulher que foi à celebração) convidou-nos para almoçar na casa dela. Nós aceitámos e, enquanto o almoço não estava pronto, fomos até à praia da Mataca.
Aqui, quando alguém convida outras pessoas para comer em sua casa, primeiro comem as visitas e só depois é que comem os habitantes da casa. Então sentámo-nos a comer.
Na manhã de Sábado, dia 3 de Setembro, fomos para a praia do lago, logo depois do pequeno-almoço. As crianças vieram connosco e estivemos todos a brincar: comecei por lhes atirar com água para cima, na brincadeira, e depois vieram todos ao mesmo tempo atirar-me com água. Depois fingia que era um crocodilo e ia atrás deles, fazendo-lhes cócegas. Também estiveram a experimentar champô e gel de banho. Adoraram e estavam sempre a pedir-nos que lhes déssemos gel de banho para se lavarem, como eles nos viam a fazer.
Nesse dia aprendemos a lavar a loiça com areia, que é como eles lavam lá. A verdade é que a loiça fica muito mais limpa; as panelas ficam completamente sem a parte queimada. Quem nos ajudou a lavar a loiça e nos ensinou como se fazia foi uma rapariga chamada Glória. Algumas crianças também nos vieram ajudar e depois vieram connosco até ao poço, para passarmos a loiça por água.
Voltámos para nossa “casa” e eu trouxe o alguidar da loiça lavada na cabeça, como elas fazem cá, e segurava nele com uma mão, enquanto a outra mão estava dada à Mel, a menina que vinha sempre dar-me a mão.
Ao final da tarde, veio um rapaz ter comigo e deu-me um desenho, dizendo que era o meu retrato. Eu adorei e emocionei-me, então dei-lhe um abraço, como forma de agradecimento; eles aqui não estão habituados a dar abraços, então o rapaz ficou meio embaraçado, sem saber muito bem o que fazer.
No dia seguinte, depois do almoço, a Joyce (uma rapariga do Cobué) esteve a fazer-nos uma visita guiada, a mim e à Patrícia: estivemos na escola secundária, na escola primária, no posto da polícia, na maternidade, no posto de saúde, no mercado e, por fim, na casa do administrador, onde fomos muito bem recebidas pela sua mulher, que nos mostrou o interior da casa.
Na segunda-feira, dia 5 de Setembro, começaram as obras da igreja do Cobué. Nesse dia foi a primeira vez que experimentámos a papaia de cá, que é muito boa.
No dia seguinte, fomos até Likoma, uma ilha que pertence ao Malawi. Dirigimo-nos para a praia, para apanhar o “chapa” (marítimo). Chegámos ao nosso destino e fomos visitar a Catedral Anglicana de S. Pedro. Passámos, ainda, pelo hospital, o cemitério e pelo centro da cidade.
Chegámos ao Cobué e, depois do almoço, estivemos a cantar a “árvore da montanha” com os miúdos, que iam sempre para a porta da nossa “casa”ter connosco. E, quando não saíamos de casa, eles conseguiam ver-nos pela janela e chamavam os nossos nomes.
Na quarta-feira, saímos de manhã, para ir visitar o posto de saúde. Cruzámo-nos com a Joyce, que veio connosco. Aproveitámos para ver a maternidade; estivemos na sala onde elas costumam ficar internadas, depois deterem os bebés.
Passámos pelo padre Leonardo e demos-lhe os parabéns, porque, naquele dia, era o seu 40º aniversário.
Depois do almoço, enquanto eu e a Patrícia fomos com a Joyce à escola secundária assistir a um jogo de futebol, a Sónia, a Ju e o padre José António estiveram a preparar a formação de catequese que o último iria dar aos animadores do distrito nos três dias que se seguiram.
Houve missa às 18h, para celebrar os anos do padre Leonardo, que depois jantou connosco. Cantámos-lhe os parabéns e comemos bolachas.
No dia seguinte começou a formação de catequese, então tivemos oração logo às 8h. Assistimos um pouco à formação, mas às 10h eu, a Patrícia e a Ju fomos até à Escola Primária Completa de Cobué, porque a Ju, como é enfermeira, ia falar da importância de se lavar os dentes e as mãos. Eu e a Patrícia também fomos para podermos recolher imagens (fotografias e vídeos).
Esta escola não tem mesas nem cadeiras, portanto os alunos sentam-se no chão, com os cadernos e livros aos joelhos (os que têm cadernos e livros, porque há muitos que não têm), enquanto os professores ou ficam de pé, ou sentam-se numa cadeira.
Depois do jantar, houve um tempo de convívio entre os animadores, onde se esteve a cantar e a dançar.
Na sexta-feira, a formação de catequese continuou e antes das 16h houve missa. Depois do jantar fomos fazer uma oração com os animadores.
Na manhã seguinte, fui com a Joyce ao posto de saúde (o filho dela estava doente), enquanto decorria a formação de catequese. No posto de saúde não existem senhas e as pessoas não são atendidas por ordem de chegada: primeiro entram os homens e só depois é que entram as mulheres com crianças.
Antes do almoço houve missa e foi a mais emocionante: foi a missa de despedida do grupo (que ia voltar para Portugal) e do padre Leonardo (que vai estudar para Portugal, na Universidade Católica). Como forma de agradecimento por termos lá ido, a paróquia de Cobué ofereceu uma capulana a cada um de nós.
Depois do almoço, fomos com os miúdos até à praia, pois iríamos apanhar o barco para ir passear até outra paróquia do padre Leonardo.
A viagem de regresso ao Cobué foi muito agradável: vimos o pôr-do-sol e andámos de barco já de noite, apenas com a lua cheia a iluminar-nos. Pensei o quão agradecida estava por estar ali e por estar a experienciar algo desta dimensão e desta responsabilidade, tendo apenas 21anos. Pensei “quantas pessoas de 21 anos podem dizer que já andaram de barco no Lago Niassa, enquanto viam o pôr-do-sol? E quantas pessoas de 21 anos podem dizer que estiveram em contacto com as crianças e as pessoas como as que eu estive em contacto no Cobué?”. Senti-me (e sinto-me) a pessoa mais sortuda do Mundo. Acho que nunca tinha estado tão agradecida por estar viva e por estar a viver.
Foi a nossa última noite passada no Cobué e, no dia seguinte, o padre José António celebrou a última missa, sendo que fomos embora logo a seguir.
Catarina Ramalheira e Patrícia Sales
Sem comentários:
Enviar um comentário