Aqui em Napipine, bairro de Nampula com quase 100.000 habitantes, tudo é diferente, novo, criativo.
Nas vésperas de Natal, pediram-me para ajudar a confessar. Deixei de lado os trabalhos da universidade e virei só pastor, padre. Interessante as confissões. Quando terminavam a lista dos pecados em português ou macua, diziam: terminei de falar. Para mim era óptimo. Assim sabia quando terminavam, pois macua não é o meu forte.
Cá o P. Ricardo dizia que na missa da noite de Natal, entrávamos às escuras e depois acendia-se a luz. Pois. O problema é que desapareceu a luz pelas 18.00 horas e a missa era às 20.00h. Entrámos às escuras, glória às escuras e por aí adiante. Eu ia aguentando a lanterna que trouxe da Decathlon para o P. Elias poder ler as orações.
Na escuridão, proferiu uma homilia toda encarnada e inculturada, não fosse ele o melhor etnólogo da região. Entre outras coisas dizia… o boi no presépio respeita o seu dono, mas o burro respeita quem lhe dá de comer. Para bom entendedor…
E assim tudo prosseguia na escuridão, mas muito animado com cantos e danças. Sim. Estou a falar da Eucaristia da noite de Natal.
Quando estávamos na acção de graças veio a luz. Ainda bem. Antes de acabar a missa veio o homem dar os avisos. Entrou preocupado dizendo que durante a missa que foi às escuras, roubaram o menino Jesus do presépio e pediu que restituíssem o menino Jesus ainda ali na celebração. Roubaram o menino Jesus de Napipine? Todos na igreja soltaram um grito de espanto. Mas eis que de repente, aparece um acólito com o menino na mão. Todos queriam saber quem tinha sido o ladrão. Então o P. Ricardo foi ao microfone e disse que não tinha sido roubado. Apenas estava no armário da sacristia.
Acabada a missa, viemos para casa, onde comemos um bacalhauzinho, enviado pelo correio pela Stela, de Loulé, de Portugal. Eu, o P. Elias, o P. Emílio e o P. Ricardo não deixamos nada na travessa. Segundo o P. Ricardo, grande cozinheiro, o bacalhau esteve muito tempo de molho. Eu, cá para mim: muito ou pouco, comi e estava bom.
Dizia o P. Elias em tom de quem gostou do bacalhau: sabe sempre a aperitivo…
E depois de nos dar a cada um pequeno presente, trazido pelas irmãs salesianas, fomos repousar que o dia de Natal ia ser duro.
(…)
No dia de Natal, os outros três padres saíram para celebrar o Natal noutras comunidades. A mim coube-me em Napipine, na paróquia de S. Pedro às 8.00 horas da manhã. Tinha um pequeno acrescento: é que eu tinha que fazer 41 baptizados, segundo o P. Ricardo. Lá fomos para a celebração. A igreja estava cheia. Pudera. Dia de Natal. Napipine. Baptizados. Tudo isto ajuda a encher ainda mais.
Tudo estava perfeitamente organizado. Parece-me que temos de aprender não só como as formigas fazem o moché, mas também a organização dos moçambicanos. Até havia um segurança, com a identificação a pôr as pessoas em ordem na igreja.
Quando chegou a altura dos baptizados, todos eles se colocaram em fila no corredor da igreja. Comecei por juntar dois ritos: o sinal da cruz na testa e a unção pré-baptismal.
Fazia primeiro eu, depois mandava os pais e padrinhos. A uma certa altura via só homens a fazer o sinal da cruz. Perguntei: e a mãe? Já morreu, disseram. Calei-me interiormente. Mais à frente já depois de uns tantos sinais, talvez por cansaço, já ia fazer o sinal da testa da mãe em vez da criança. Às vezes, mandaram-me parar, porque eu não tinha reparado que estava uma criança no meio deles, aos meus pés…algumas crianças gritavam, outras estavam caladas e outras a dormir… nesse aspecto não difere da Europa.
Depois do sinal da cruz eu ungia com o óleo pré-baptismal. Não é que uma mãe também achou por bem, molhar o polegar no óleo e benzer a sua filha com óleo…Eu cá para mim: daqui a pouco estão a rezar a missa no meu lugar. E assim continuou a cerimónia dos quase 41 baptizados.
Depois de acabar os ritos do baptismo, a missa ia continuar com a dança do ofertório que leva algum tempo. Sentei-me a suar e como não me pareceram 41 baptizados perguntei ao ministro da Palavra (sim aqui são todos ministros com túnica) quantos eram os baptizados afinal? São 30 respondeu-me categoricamente. Perguntei ao do outro lado que me respondei também com uma pretensa convicção que eram 32. Afinal, eram 41, 30 ou 32? Fiquei ainda mais baralhado. Que eram mais do que muitos lá isso eram. Está bem. Fiquei resignado. Até que chega um acólito com um bilhetinho escrito a dizer que os baptizados eram 31. Então temos mais uma tese: 41, 30,32 ou 31? Como não vêm assinar o livro de registo dos baptismos, fico com quatro versões para usar quando quiser.
A missa continuava muito viva. Na acção de graças, houve a dança das mulheres: linda, linda. A dança claro. Estavam no corredor da igreja duas filas de mulheres a dançar. A uma certa altura levantam-se muitas das que estavam sentadas nos bancos e começaram elas também a dançar.
Seguiram-se os avisos. Entre outras coisas, o avisador disse que quem quisesse as fotografias do baptismo podiam ir buscá-las ao alpendre no fim da missa. Toda a gente começou a rir. Eu percebi. Primeiro vão ver as fotografias na máquina digital e se gostam pagam antecipadamente e as fotografias ser-lhes-ão entregues dois dias depois…
Lá terminei a eucaristia com uma saudação final, dizendo que o dia do Natal é festa, mas não com a carne do cabrito roubado, mas com o que cada um tem. Eu tinha referido na homilia que uma vez alguém para fazer festa foi roubar um cabrito. Dizia que o Natal é manifestação de fé inquebrável como uma coluna de cimento. Disse também que há o dia da mulher, da criança, do homem, do pai, da mãe, da família, mas não há o dia dos filhos. O dia dos filhos é o dia de Natal. Jesus, filho de Deus. Nós, filhos de Deus.
Terminei a celebração e pedi ao ministro da Palavra para dar o menino a beijar.
Vinha a correr para casa, porque estava um sol incrível e eu não tinha levado chapéu: ainda cumprimentei quem encontrei pelo caminho e vinha para casa, quando me chamaram. Era uma senhora idosa. Trazia um saquito na mão. Ela disse que era para os padres. Abriu. Era uma garrafa de champanhe. Disse ela: é da família Raul. Quem é a família Raul? É uma família de Napipine que tem um filho padre diocesano no Gurué (P. Daniel), uma filha freira das irmãs mercedárias. Alí estava a velhinha a dar-me a garrafa. Ao lado, estava a filha com uma criança nos braços. Vive em Maputo e a criança ainda não foi baptizada. Vieram visitar a mãe. Depois apareceu o filho Basílio que trabalha em Pemba. Pela conversa percebi que trabalha com a Doutora Madalena Baptista de Coimbra (seu pai dava educação física aos alunos do Instituto Missionária) que comigo fomos os dois primeiros doutorados em Ciências da Educação pela Universidade Católica em Portugal.
E assim foi o princípio da manhã do dia de Natal com a missa a começar às 8.00 horas e a terminar às 10.30 da manhã…
Adérito Gomes Barbosa, scj
Nampula, dia de Natal de 2011
NB. As fotografias referem-se ao auto-de Natal que antecedeu a missa da noite de Natal.
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